Dia desses fui convidado por uma amiga para comermos uns caranguejos num bar qualquer da orla de Salvador. Não sou tão fã assim de caranguejo, mas aceitei.
Nos sentamos, fizemos o pedido e esperamos. Conversamos um pouco sobre besteiras do dia a dia, rimos, contamos "causos", falamos da vida dos outros, essas coisas que todo mundo faz enquanto está em um restaurante esperando a comida chegar. Até que dez minutos depois chegou o garçom com um recipiente de barro, tipo uma caçarola, sei lá, não entendo nada de panelas, recipientes, caçarolas... Mas sei que os caranguejos vieram saindo fumaça ainda de quentes. Um outro vasilhame menor continha um pouco de pirão. Também vieram os pratos e uns tais martelos com umas tábuazinhas. Aí foi que começou o drama.
Eu estou acostumado a comer caranguejo quebrando nos dentes. Arranca uma perna do pobre coitado e depois abocanha, morde, prende nos dentes, chupa aquela carninha branca e macia e depois fica lá, de lado, só os restos de casquinhas de caranguejo pra se jogar fora. Mas naquele dia eu descobri que "gente coisa é outra chique", ou melhor, gente chique é outra coisa.
Ao lado de nossa mesa tinha um senhor de seus cinquenta e poucos anos, lendo uma revista, bebendo uma cerveja e comendo caranguejo. Pensei comigo: Não deve ser difícil. Olha como ele faz. O camarada não fazia o menor esforço pra quebrar a perna do caranguejo com aquele martelo. Era só pá! pá! pá! e pronto. Ele continuava lendo sua revista, comendo seu caranguejo e bebendo sua cerveja. Me animei. Depois de ficar olhando para os bichinhos ali dentro daquela panela por, sei lá, um minuto e meio, como se estivesse demonstrando toda a minha condolência pela suas mortes trágicas, coloquei um deles em meu prato, arranquei a perna mais grossa e cabeluda, segurei com a mão esquerda e com a mão direita segurei o martelinho. Levantei o martelo a meia altura, igual como vi o senhor da mesa ao lado fazendo, e comecei meu pá! pá! pá!
Porra, nem arranhou a pintura do caranguejo. Mas eu tentei de novo: pá! pá! pá! Nada. O caranguejo nem amassou. Enquanto isso minha colega de mesa estava lá parecendo um cachorro quando destrói um travesseiro na boca. Só faltava rosnar. As vezes parecia que ela estava rosnando, mas acho que era impressão minha. Sei é que ela nem falava, só devorava aquele negócio cheio de pernas e cabeludo. Decidi que iria aumentar a pressão pra cima daquele bicho e fui mais forte. PÁ! PÁ! PÁ! PÁ! PÁ! Eu agora dei cinco porradinhas e o desgraçado do caranguejo, por quem quase derramei algumas lágrimas quando vi chegar morto naquela panela, parecia estar rindo de mim lá no céu dos caranguejos.
Peguei raiva. Agora eu peguei ar. Isso não vai ficar assim não. Eu vou quebrar no pau esse caranguejo, agora. Pensei comigo mesmo. Levantei o martelo o mais alto que pude e... POU! POU! POU! POU! POU! Uma zoada retada, os outros clientes todos olhando pra mim, mas... eu consegui quebrar a porra da perna daquele caranguejo miserável. Quebrei, mas quebrei com tanta raiva que não consegui nem comer. As casquinhas se misturaram tanto com a carne que não deu pra separar. Viraram um mingau de casca e carne.
Enquanto isso o coroa do lado lia sua revista, bebericava sua cerveja e, pá! pá! pá! comia seu caranguejo na boa. Parecia até um lord inglês tomando o chá das cinco.
Tentei de novo. Não coloquei tanta força dessa vez, mas bati com vontade. POOUUUU!!! Foi uma só. Mas com tanta vontade que um pedaço de casca voou e acertou em cheio o olho de um dos garçons que passava com uma bandeja na mão pra entregar o pedido de outra mesa qualquer. O cara deu um grito meio abafado, se desequilibrou, derrubou a bandeja por cima de uma jovem que estava em uma mesa de frente pra minha, molhou a mulher toda de coca-cola com limão. Um furdúncio só. Fiquei na minha fazendo cara de "oquefoiqueaconteceu?" A mulher mandou chamar o gerente, alguns outros clientes reclamavam do barulho, eu estava morrendo de vergonha e minha amiga lá com a cara toda lambuzada e, ainda acho que ela estava, rosnando. A minha mesa, a essa altura, já estava totalmente tomada de cascas e restos de caranguejo pra todo lado. Parecíamos dois animais com comida espalhada por tudo que é canto. E o velhinho lá, lendo revista, bebericando sua cerveja e, pá! pá! pá! comendo caranguejo como se estivesse comendo uma lagosta num restaurante francês.
Aos trancos e barrancos conseguimos acabar com aquilo, mas a nossa reputação já tinha acabado desde o momento que pedimos aqueles troços cascudos e cabeludos.
Pedimos a conta e saímos de lá com a impressão de que todo mundo olhava pra gente e nos reprovava.
Pelo menos aprendi a lição: Nunca mais como caranguejo de martelinho.
Caranguejo só em casa triturando nos dentes, cuspindo as casquinhas e rodeado de conhecidos.