quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Eu, cidadão do mundo


Taxistas de Salvador, sempre deixando os turistas com uma boa impressão da nossa cidade.

Se liguem na história.

Sou o primeiro carro do ponto. A central me chama pra passar coordenadas de uma corrida:

- Carro 077, copia a central?

- Positivo, central - respondo.

- 077, adiante para o aeroporto. Quando chegar lá informe para que a central possa passar o restante das coordenadas. - A central mandou, eu adiantei.

Cheguei rápido no aeroporto. A Paralela estava livre. Ótimo.

Tentei chamar a central, mas ela não me copiava:

- 077. A central copia o 077? - não obtive nenhuma resposta.

Procurei um lugar pra estacionar o carro e fui para o portão de desembarque. Chegando no desembarque liguei para a central para anotar as coordenadas.

- Pocotó taxi, bom dia!

- Alô, central, é o 077. Quem é o cliente aqui no aeroporto?

- 077, no portão de desembarque, senhor Washington, a 01:15h. O senhor escreva em uma placa o nome do cliente pra que ele possa te localizar. É no portão de desembar... - Quando a central ia me passar o restante das coordenadas, meus créditos acabaram. Malditos créditos que só acabam na hora errada. O pior é que tinha deixado minha carteira no carro. Fiquei sem crédito, sem poder ligar e sem o restante das informações. Mas eu tinha o básico: sabia o nome do passageiro e a hora que ele ia chegar. Olhei para o relógio e vi que já era 01:25h, ou seja, se não teve nenhum atraso, ele já havia chegado.

Corro num balcão qualquer daqueles que ficam lá no aeroporto, de aluguel de carro, serviço de taxi e outros mais, e peço uma folha de papel e uma caneta. Começo a escrever o nome do camarada. O problema é que agora eu sei como escreve, mas no dia eu não sabia escrever Washington. Nem sabia escrever e nem tinha a ajuda do pai dos burros modernos: Mister Google. Também não ia de jeito nenhum pagar o mico de perguntar a alguém no aeroporto como que se escreve Washington. Homem que é homem nunca deixa transparecer que não sabe uma coisa. Nunca pergunta onde fica uma rua, nunca olha manual de instruções e nunca vai pedir pra que ensinem a ele como se escreve Washington. Sendo assim, comecei a soletrar pra mim mesmo e a escrever na folha de papel:

WÓSCHITOM

Pelo menos eu sabia que começava com "W".

O que é que passa na cabeça dessas mães que colocam esses nomes complicados nos filhos? Ficam traumatizando os coitados. Tive um amigo de infância que todos conheciam ele por Dal. A família chamava ele de Dal. Os amigos chamavam ele de Dal. Todos chamavam ele de Dal. Ninguém sabia o verdadeiro nome de Dal. Ele não falava pra ninguém mesmo. Até que um dia a carteira de identidade de Dal caiu no chão, ele não viu e eu peguei. Lá estava o nome do rapaz:

WANDERCOOCK LUIZ LIMA DOS SANTOS.

Coitado. Ele tinha vergonha do nome e vergonha porque não sabia escrever o próprio nome. Quando eu conheci Dal, ele tinha uns seis anos de idade e até os dezoito fomos muito amigos. Só que ele mudou de cidade e nunca mais eu o vi. Engraçado foi ele ter mudado de cidade, coincidentemente, duas semanas depois de descobrirmos o nome dele. 

Mas, voltando pra o aeroporto...

Fiquei segurando aquele pedaço de papel por pelo menos uns cinquenta minutos e nada de aparecer ninguém. O saguão do aeroporto vazio e nada do tal de Washington chegar. Estava já pra desistir quando olhei e vi sentado num banco próximo ao portão de desembarque internacional, um casal com um garotinho. Pareciam que também estavam procurando alguém. Tentei a última cartada.

- Olá! O senhor é seu Washington? Perguntei meio sem jeito e apontando para o papel onde escrevi o nome do cara, quer dizer, tentei escrever.

- Washington? Oh, yes, yes! - o cara respondeu com entusiasmo, apertando a minha mão e falando inglês. Pelo menos não era um Washington baiano, cearense, sergipano, brasileiro. Era um Washington original dos states. Mas aí é que estava o problema: Um Washington brasileiro falaria a minha a língua, mas um Washington original dos states...

Pra começar, como dizer ao cara que era pra ele esperar enquanto eu ia buscar o carro? Fiz um gesto com a mão, como um guarda de trânsito quando dá ordem pra que os carros parem e comecei a falar alto e separando as sílabas como se o cara fosse um lerdo, um doente mental ou qualquer coisa assim.

- EU VOOOU, VOUUU,  BUS-CARRR O CÁÁÁR-ROOOOO, CÁÁÁR-ROOOO. FIII-QUEEE AAAA-QUIIII, AA-QUIIII!. - acho que o fato de falar e fazer gestos com a mão, fez com que ele entendesse o recado. Também, eu quase rasgo a camisa do rapaz forçando ele se sentar pra esperar.

Voltei com o carro, chamei ele, arrumei as malas do jeito que deu dentro do porta malas e no colo da mulher, do filho e dele mesmo. Eram malas demais. Agora eu tinha que saber pra onde eles iam. Como?!

A Getax (Gerência de Taxi de Salvador) junto com a prefeitura, vez por outra promovem cursos gratuitos de línguas para os taxistas. Mas sabe como é, né?! É aquele curso bem basicão. É bom dia, boa tarde, boa noite, como vai? Qual seu nome? Etc, etc. O trivial. O feijão com arroz, o papai e mamãe. Fiz um curso desses certa feita. E saí da sala de aula realmente acreditando que eu podia. Como diria "meu amigo" Barack: "YES, WE CAN". O problema é que só surgiu a oportunidade de usar, na prática, esse inglês macarrônico agora, nesse episódio, dois anos e meio depois. Dois anos e meio são novecentos e doze dias e novecentos e doze dias são vinte uma mil oitocentas e oitenta e oito horas. É tempo suficiente pras informações não usadas irem pra o arquivo morto e do arquivo morto irem pra o lixo do cérebro. E assim depois que as frases do "BOOK ONE" foram pra o lixo do meu cérebro, é que precisei usar todo o meu conhecimento da língua britânica. Aí, "MEU BROTHER", lascou-se.

Tentei ser simpático puxando uma conversa com o cara:

- "Uóticio neime? - perguntei cheio de confiança. Mas a cara que o rapaz fez foi a mesma cara de quem é pego quando solta uma bufa. Aquela cara de: "HEIN, EU?! Perguntei mais uma vez, agora daquele jeito de quem está falando com um abilolado:

-UÓÓÓTICIÓ, UÓÓTICIÓ, NEIIIMIII? - O camarada olhou pra mulher, pra o filho, fez um gesto qualquer e falou:

- I want to go to a good hotel in Salvador. - Porra, fudeu! Só entendi Hotel Salvador.

UÓÓTI??? O senhor pode repetir? - falei assim em português mesmo, já começando a suar de nervoso, mas logo lembrei que ele era gringo e joguei:

- REPETEIXON, PLIS! - Não sei se ele entendeu, mas sei que ele repetiu. O que não quer dizer que adiantou alguma coisa, porque eu mais uma vez só entendi Hotel Salvador.

E agora, como explicar pra ele que o hotel Salvador tinha fechado? Tentei do meu jeito com o meu "imbromeichon":

- NO, NO! HOTEEEEEEEL SALVADOOOORRR OFI. GUEIIIIMEEEEEE ÔÔVÉÉÉÉÉÉ. ISTÓPIIIII. DÉÉÉÉÉÉÉ ÊNDIIIIII - Vendo que ainda o cara não conseguiu entender, tirei a minha última carta da manga:

- HOTÉÉÉÉLLL SALVADOOOORRR NA CHON, NA CHON!!!

Não adiantou.

Bom, tentei jogar  a responsabilidade pra cima dele. Ao invés de eu falar inglês, vou perguntar se ele fala português. Assim ele que se vire pra falar comigo.

- DU IÚ, DU IÚ, ISPIQUE PORTUGUÊS? - Mais uma vez o cara não entendeu nada do que eu disse. 

O único jeito que achei foi levá-lo até a porta do hotel Salvador pra que ele pudesse ver que o hotel já não funcionava mais. Fiquei caladinho. Só o garoto que de vez em quando falava:

- Dad, i'm hungry.

-Calm down, son. - ele respondia

Cheguei em Ondina e apontei o hotel fechado. Ele com cara de quem não entendia nada e eu suando sem saber o que fazer com aquela família no meu carro.

- Only want to go to a good hotel.

Continuei sem entender. Alí, diante daquele hotel, antes tão imponente e agora fechado, eu na frente daquele cara sem entender patativas do que ele falava, me fazia pensar como foi a galera toda lá diante da torre de Babel. Deve ter sido um tal de "fuck you", filho da puta, sem fim. Arrastei o carro e decidi, por conta própria, que ia levá-los a qualquer hotel por ali mesmo. E foi o que fiz. Ainda ouvi a mulher dizendo:

- We being kidnapped?

Não sei o que ela falou, mas acho que se sentia aliviada por eu estar tirando eles dali e levando pra um lugar seguro em que pudessem descansar.

Parei na porta de um grande hotel aqui de Salvador. Que alegria eu vi estampada no rosto daquela família. A mulher ficou encantada com a vista para o mar que tinha no hotel (pelo menos eu acho que ficou. Era madrugada e não dava pra ver vista nenhuma). O camarada me pagou a corrida me agradecendo e dizendo cordialmente:

- You're crazy, but thanks.

Acho que ele falou que o hotel era incrível. E "tênquis" eu tô ligado que era ele dizendo: Obrigado!

- TÊNQUIU VERI MATI, SENHOR!

Fui pra casa feliz por cumprir o meu dever como cidadão e como taxista que tem obrigação de tratar bem o nosso turista.

Semana que vem estou entrando mais uma vez num curso de inglês gratuito de duas semanas. Agora, com um curso completo de duas semanas, ninguém me segura. Vou ganhar o mundo.

"RASTA LA VISTA, BEIBI!"