quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Buzú e a buzanfa


Olá amigos e amigas. Sumi por alguns dias devido ao trabalho. Muita correria e muitas horas de sono perdidas. Mas estou de volta, pelo menos até o carnaval. Espero que vocês curtam mais essa história louca de coisas que só acontecem comigo e com quem tem a mesma "sorte" que eu.

Divirtam-se!

O carro quebrou e ficou na oficina por três dias. Tive que pegar um ônibus. Ôôôôôôôô sofrimento, véi! MEU DEUS, POR QUE ME DESAMPARASTE!!!

Pode parecer incrível como um motorista de taxi, por mais que conheça a cidade toda, quando se trata de pegar um ônibus fica totalmente perdido.


Pego o celular e ligo pra Lindinha:

- Lindinha, que ônibus eu pego daqui do Rio Vermelho pra poder chegar em casa? - perguntei com aquela vozinha de criança dengosa perdida no meio do nada, prestes a abrir o berreiro.

- Ô, filho! Se não sabe que ônibus pegar vai pra Lapa que lá tem buzú pra tudo quanto é bairro, né?

Tomei um chépo, enfiei o rabo entre as pernas e fui pra o ponto.

Demorou uns quarenta e cinco minutos pra passar um Lapa, vazio. Entrei e nem sabia o valor da passagem. Encostei no cobrador e perguntei meio envergonhado e baixinho, pois não queria parecer um arrogante, esnobe, que vive no mundo maravilhoso dos taxistas e nem sabe o valor de uma passagem de ônibus.

- Quanto que é a passagem, amigo? - perguntei bem baixinho. As pessoas me veriam como um ET se me ouvissem perguntando aquilo.

-  É DOIS REAIS E CINQUENTA. AGORA, PASSE LOGO QUE NÃO PODE FICAR AÍ NO CURRAL ATRAPALHANDO O CAMINHO NÃO!

Que ignorância, viu! Pedaço de jumento olhando pra parede, era aquele cobrador.

Passei, me sentei e a viagem seguiu.

Cheguei no infer... ééé, digo... Lapa, e tive que procurar o ponto exato pra o bairro onde moro. Demorei um pouco, mas encontrei. Quando cheguei tinha umas poucas pessoas esperando, o que me deixou animado em saber que pegaria um buzú vazio. Mas não demorou nem dez minutos e a fila foi aumentando, aumenTANDO, AUMENTANDO, AUMENTANDO, mas, pra minha sorte, eu era o décimo quarto ou décimo quinto da fila, ia conseguir um lugarzinho pra ir sentado fácil, fácil.


Meia hora de espera e chega o ônibus. Quando olhei pra trás a fila já estava quilométrica e com a chegada do buzú comecei a perceber um burburinho que foi aos poucos se tornando uma gritaria e aos poucos um desespero. Quando o ônibus parou no ponto já não existia mais fila nenhuma. A galera toda, de uma só vez, se amassando na porta do carro e eu alí espremido com minha cara de otário. Quando a porta do ônibus foi aberta então... Ao invés de eu ir pra frente em direção a porta, eu era cada vez mais empurrado pra trás. Até um cara que estava de muletas correu, sim ele correu não sei como e entrou pela porta da frente e sentou. Tinha velha, criança, mulheres, um cara com umas caixas na cabeça, uma menina cheia de sacolas, todo mundo brigando por um pedacinho de espaço pra por o pé na escada do ônibus e subir. E o buzú foi enchendo, enchENDO e ENCHENDO até que ficaram uns caras pendurados na porta. Um dos caras era eu. O motorista não queria arrastar o carro porque disse que com a porta aberta não poderia sair da estação. Como não cabia mais ninguém alí, eu desci. Ele fechou a porta, a galera foi lá toda espremida. e o carro foi embora.


Mais uma hora de espera até que chegou outro ônibus, mas dessa vez, milagrosamente, não tinha muitas pessoas no ponto, então foi mais tranquilo. Entrei "de boa" e até encontrei um lugar pra sentar. Ô, desgraça! Antes eu ficasse em pé mesmo.


Acho que os empresários de transportes coletivos de Salvador pensam  que estão em Itabaianinha. Pra quem não sabe, Itabaianinha é uma cidade do interior de Sergipe que fica a 120 quilometros da capital, Aracajú, ela é conhecida como a cidade dos anões por causa da grande quantidade de "pessoas verticalmente prejudicadas". - pra ser mais politicamente correto com os pintores de rodapés, tamboretes de brega, pilotos de autorama... nanicos.


Tentei me sentar, mas minhas pernas não cabiam naquele minúsculo espaço. Sentei de pernas abertas na cadeira da janela. Mas minha folga durou pouco. Quando olho pra o lado vejo uma senhora com uma buzanfa avantajada se sentando quase no meu colo. Me espremi o máximo que pude e fiquei ali sentado de ladinho com os joelhos roçando no banco da frente e sem poder me mexer pra lado nenhum. Mas o bom disso tudo é que quando você pensa que a coisa está ruim ela pode ficar ainda pior. E quando se trata de mim então... as coisas sempre ficam bem complicadas. A velha da buzanfa grande se sentou do meu lado e com o balanço do ônibus começou a cochilar e cair com a cabecinha por cima do meu ombro. Boca aberta e as porras. E eu alí sem poder me mexer sendo feito de travesseiro.


A cada ponto o ônibus ia enchendo mais e maIS e MAIS. Eu, pelo menos, estava sentado. Não que aquilo fosse de todo bom, porque eu estava em uma posição ruim com só meia banda de bunda encostada na cadeira, espremido, o ossinho do joelho doendo de tanto roçar no banco da frente e a buzanfa da velha quase em cima da minha perna e a velha dormindo em meu ombro e já começando a babar.


De repente, no banco atrás do meu, um camarada pega o celular e coloca um som de pagode a toda altura. Um tal de chore na minha, chore na minha. Por que que aquele porra não colocava o fone no ouvido? Por que tinha que me obrigar a ouvir aquilo? Mas tentei ver pelo lado bom. Com aquele barulho todo a velha acordaria. Que nada. A velha agora escorregava do meu ombro pra minhas costas. O dinossauro chegou até a ressonar.

Eu até queria sair dali, mas estava imobilizado. Me senti como um prisioneiro sendo torturado da forma mais sádica.


Pensa que acabou? Pois o miserê está só começando.


Em um dos pontos subiu um moleque vendendo balas, gritando dentro do carro com aquela voz enjoada e sem pontuação, e assim ele começou a ladainha:


- BOA-TARNE-PESSOAL-EU-TÔ-PEDINO-A-AJUDA-DE-VOCÊS-AQUI-PORQUE-EU-TÔ-VENDENO-BALA-PORQUE-EU-PODIA-TÁ-MATANO-ROBANO-ESTRUPANO-CHEIRANO-FUMANO-PEGANO-O-QUE-É-DUSÔTRO-MAS-COM-A-AJUDA-DE-DEUS-E-DE-VOCÊS-QUERO-BATAIÁ-FIRME-E-FORTE...


Que castigo, viu. O pagode no meu pé de ouvido, a ladainha do ex potencial trombadinha vendedor de balas (trombadinha não! Segundo minha mulher que é Assistente Social, é apenas um menor em conflito com a Lei) e uma velha da buzanfa grande roncando com a cabeça totalmente dependurada por cima de mim. Eu mereço.


O cara não conseguiu vender nem uma bala. Acho que ninguém se comoveu com aquela história toda. Ele desceu do ônibus revoltado, xingando a galera toda. Só que agora ele falava com um som meio anasalado:

- Essas miséra num ajuda ninguém, rapá. Depois quando a gente mete a porra inda acha ruim. - ele foi falando e descendo do onibus cheio de marra, cheio de gingado de malandro. Totalmente diferente de quando subiu. Quando subiu no ônibus ele estava com uma cara de coitadinho que dava dó (Acho que agora ele estava em conflito existêncial).


Eu fiquei impressionado com o sono daquela mulher. Ela não acordava de jeito nenhum. O camarada do celular já estava na terceira música e ela nada. A música agora era o foge, foge, superman. Eu, que estou mais pra Clark Kent, não pela beleza tímida, mas pela cara de otário mesmo, nem podia fugir daquilo ali.


Vocês lembram da velha que apareceu no meu aniversário naquela história do carro de mensagens? Não. Ela não estava no ônibus. Mas apareceu um outro irmão, no meio do buzú lotado, bradando pra todo lado. O cara levantou de repente, eles parecem que brotam do nada, e começou:


- EIS QUE VOS É CHEGADO O REINO DOS CÉUS! A-LE-LÚ-I-ÁÁÁÁ!!! O SENHOR USA A BOCA DESSE HUMILDE SERVO PRA DEIXAR UMA MENSAGEM DE SALVAÇÃO NESSA HORA. Ô, GLÓRIA!!!


O resto você já deve imaginar: quase meia hora de gritos, e meio mundo de gente, dentro do ônibus, condenada ao inferno se não atendessem ao chamado do irmão que ali estava. Na hora que ele perguntou quem aceitava a salvação que levantasse a mão para o céu, eu até tentei levantar a minha, pois qualquer coisa que me salvasse daquele lugar eu abraçaria, mas era impossível levantar a mão, pois eu estava imobilizado sem poder coçar o nariz se quisesse. O único que levantou a mão foi um cara com jeito de quem tomou umas duas. O irmão perguntou se ele aceitava a salvação e o bebum respondeu entre soluços:


- Só se for (ic) com limão e açúcar.


A gargalhada dentro do ônibus foi geral. Até o irmão deu uma risadinha meio sem graça, mas logo se aprumou e continuou sua pregação. Quando percebeu que daquele mato não ia sair coelho, ele encerrou o discursso e se sentou de volta no mesmo lugar como se nada tivesse acontecido. Nessa hora, a velha sonolenta da buzanfa grande acordou, mas acordou por cinco segundos, tempo suficiente pra eu me reaprumar. Mas o espaço era mínimo e não consegui mudar muita coisa.


Naquela altura do campeonato, eu já estava entregue a situação. Não tinha mais nada a fazer. Então era esperar chegar no meu ponto e ir pra casa. Mas ainda, antes de terminar a viagem, depois de tudo que já havia acontecido, eis que começa a chover. Chover não, uns pingos que não matariam ninguém, mas foi o suficiente pra fecharem todas as janelas do buzú. E aí, meu amigo, o mau cheiro subiu. Uma mistura de cc com chulé, misturado com creme de cabelo, mau hálito, perfume barato, roupa molhada, desodorante vencido e, pra acabar de completar, a velha da buzanfa gigante, dormindo, soltou um pum. E eu não podia nem me mexer e, apesar de ter sentado do lado da janela, foi naquela parte que só tem o vidro, a janela mesmo ficava no banco de quem estava sentado na minha frente e no banco de quem estava atrás. Ou seja, eu tive que aspirar todo aquele torpedo que a velha deixou de presente pra mim.

Depois de quase duas horas de aperto, finalmente a viagem estava chegando ao fim. A velha parecia que tinha um despertador, no ponto dela ela acordou certinho e o ponto dela era o mesmo que o meu. Só que como o ônibus estava muito cheio a gente só conseguiu descer dois pontos depois. Ainda voltamos andando. Pelo menos deu tempo de vir batendo um papo com ela e diminuir minha raiva já que descobri que a velha da buzanfa grande,  picada pela Tsé tsé, é até gente boa e de bom papo - quando está acordada.


O carro ficou bom três dias depois. Fui buscar o carro, mas fui de carona com um amigo. De ônibus, Deus queira que nunca mais eu precise pegar.



*FUI!




*Mas vou de taxi. Eu e a Angélica.