quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Armadilha pra patinho
Nem no meu aniversário eu me livro de confusão.
Ô, vida ingrata, sô!
Era o dia do meu aniversário, mas como a data caiu em uma quinta-feira, resolvi que não comemoraria. Eu ia esperar o final de semana pra fazer um almoço só pra alguns familiares. Recebi meus parabéns, beijos e abraços da minha mulher, ligações de meus irmãos e de meus pais com as felicitações e recomendações de minha mãe.
- Se cuide. Se alimente porque achei você meio magrinho quando teve aqui em casa da última vez. Diz pra sua mulher cuidar melhor de você...
- Tá bom, mãe, tá bom.
- Porque eu não tive filho pra ser cuidado de qualquer jeito e...
- Tá bom, mãe! Tá bom, tá bom.
Mãe é mãe. Fazer o quê?!
Fui trabalhar como em qualquer outro dia até as oito horas da noite quando minha mulher, a Lindinha, me liga e pede pra que eu vá pra casa porque queria ficar um pouco comigo, pois era meu aniversário e ela havia feito uma janta bacana, etc e tal. Como sei que ela cozinha divinamente e provavelmente devia ter feito alguma coisa especial, nem pensei duas vezes, me mandei.
- Amor, - disse ela ainda - quando estiver próximo de chegar ligue pra avisar.
- Avisar pra quê?
- Pra deixar tudo prontinho pra quando você chegar.
Concordei e segui.
Enquanto eu ia pra casa passou por mim um carro todo iluminado, todo colorido, cheio de bolas de aniversário, piscando na frente, no lado, no fundo, neon pra todo canto... Era um daqueles diabos de carros de mensagens.
Existe entre mim e minha mulher um contrato imaginário que jamais deve ser quebrado. Nesse contrato reza que em hipótese alguma ela contratará um carro de mensagens pra mim. Nem em festa de aniversário, nem de casamento, formatura, batizado, chá de bebê, nem se o Bahia for campeão mundial. Só existe uma exceção em caso de morte de sogra. Aí pode chamar carro de mensagens, banda e coreógrafos.
O carro passou e eu ali indo pra casa todo feliz, afinal de contas eu ia ganhar um jantar especial de minha amada.
O carro dobrava uma rua à esquerda e eu também. Ele subia uma ladeira e eu ali, atrás dele, subindo junto. Ele virou à direita e eu seguindo junto com ele. Ficava imaginando quem seria o pobre coitado, ou a pobre coitada que iria sofrer ouvindo aquelas musiquinhas ridículas com mensagens cafonas. Mensagens tão cafonas quanto falar cafona.
Liguei avisando que estava perto de casa.
- Já? Chegou rápido. Então, mô, compra um refrigerante.
Parei pra comprar o refrigerante e ainda vi aquele trio elétrico de baile gay subindo a ladeira.
Entrei pelo portão do condomínio.
- Parabéns, seu Luciano - me falou, entusiamado, o porteiro.
- Obrigado, obrigado. - respondo sem entender como ele descobriu que era o meu aniversário. Mas fiquei sem entender por pouco tempo.
Não é que quando eu chego na porta do meu prédio estava lá o demônio colorido e neonizado - o carro de mensagens? No portão do prédio, em pé, estavam: minha mulher, meu filho, meus cinco gatos - SIM! Cinco gatos - minha cadela cega e doida - SIM! Cinco gatos e uma cadela cega e doida - e uma mulher vestida de, sei lá, acho que era chapeuzinho vermelho.
Meu coração gelou. Senti meu rosto queimando, ardendo. Minha pressão caiu, pensei que ia desmaiar. O meu primeiro pensamento foi o de não descer do carro, fazer a manobra e me picar dalí, mas quando meu carro chegou o camarada que dirigia a viatura colorida maldita, soltou uns rojões e... PÁÁÁÁÁÁ! PÁ, PÁ, PÁ! PÁÁÁÁÁÁ! Chamou a atenção de mais de duas dúzias de crianças que estavam dentro do condomínio. Não demorou mais de um minuto e meio pra eles estarem todos ao redor do carro e de mim que, a essa altura, já estava ali em pé com cara de "socorro, meu Deus".
Só conseguia pensar na quebra de contrato da minha mulher. Como ela pode fazer isso comigo? E o pior é que como o contrato era imaginário, eu não tinha como entrar com ação pra receber meus direitos por rescisão. Na verdade não existia nem claúsula falando sobre multa por rescisão. Na verdade nem existia contrato.
Depois de soltar mais de três mil rojões (filho da puta zoadento), a chapeuzinho vermelho, dançarina de flamenco, sei lá, começou a falar com aquela voz esgarniçada enquanto ao fundo ouvia-se a música "Parabéns da Xuxa".
(Hoje vai ser uma festa, bolo e guaraná, muito doce pra você...)
- Cadê o aniversariante? Vamos chamar ele, gente? Lu-ci-a-no! Lu-ci-a-no! Lu-ci-a-no... Gritava ela e as mais de cinquenta pessoas que agora se amontoavam ali. (...é o seu aniversário...)
Minha mulher (cara de pau, miserável, desgraçada, quebradora de contrato) estava lá com um sorriso de lata de orelha a orelha, dando pulinhos, batendo palmas e gritando meu nome também. E eu retado da vida, mas sorrindo pra disfarçar. Sorriso hipócrita, mas sorrindo. Sorriso amarelo, mas sorrindo. Sorriso sem graça, mas sorrindo.
A chapéuzinho vermelho continuou falando igual atendente de "telemarketing"
- Luciano, - ela fala olhando pra mim - nós vamos estar passando uma mensagem pra festejar o seu aniversário e depois - agora fala olhando pra todos os lados - vamos estar dando a oportunidade de alguns de vocês virem deixar suas mensagens para o aniversariante, ok, gente!?
Já mais tranquilo, fiquei ouvindo a mensagem gravada por um locutor qualquer. A mensagem pelo menos era bonitinha. Mentira, a mensagem era H-O-R-R-Í-V-E-L!!! Mas aguentei firme até o fim.
Mais fogos: PÁÁÁÁÁÁÁ! PÁ, PÁ, PÁ! BUUMMMMM!!! e a chapéuzinho vermelho, a mestre de cerimônias vestida de espanhola, sei lá, chama alguém pra deixar uma mensagem.
Vi quando minha mulher estava andando em direção ao carro pra pegar o microfone, só que, do nada, apareceu uma velha, sei lá de onde, com uma bíblia na mão e bafou o microfone da mão da pobre garota vestida de rubro. Minha mulher quando viu que perdeu a parada veio e ficou do meu lado. (Quase aproveito a oportunidade pra esganar ela ali em público, mas mantive meu sorriso hipócrita e fiquei alí do ladinho dela).
- Quero aproveitar a oportunidade - começou a velha - pra deixar uma mensagem do Senhor pra o aniversariante e pra todos vocês.
Silêncio total. Até a música que estava tocando de fundo foi cortada pra que todos pudessem ouvir melhor a mensagem divina. E ela continuou:
Deus manda dizer que ele vai voltar e muitos vão estar festejando aniversário e fazendo festas naquele dia e vão ser pegos de surpresa, amém, aleluia! E que as almas dos pecadores que não estiverem na comunhão, vão pra o fogo que não apaga. Lá vai ter dor e ranger de dentes. Digam glória a Deus, irmãos!
Ainda bem que eu não quis nada daquela festa que estava acontecendo ali. Acho que não vou pra o inferno, mas a minha mulher eu não sei.
A velha agora olhando pra mim começa a falar. Falar não, gritar histericamente:
- O SENHOR, A-LE-LU-I-ÁÁÁ, TE DIZ QUE VOCÊ É UM INSTRUMENTO NAS MÃOS DELE. MAS TEM UMA MULHER NA SUA VIDA, ÔÔÔÔÔÔ, GLÓÓÓÓRIAAAA! QUE ESTÁ TE ATRAPALHANDO...
Não sei de que mulher a velha falava, mas olhei pra minha mulher com a minha pior cara de mal e ela olhando pra mim com a cara mais feliz do mundo. Atrapalhar minha vida não, mas meu aniversário ela conseguiu bagunçar todo.
De repente a velha veio em minha direção, botou a mão na minha cabeça e começou a gritar:
- SÁI DELE, ESPÍRITO RUIM. SÁÁÁÁIIII DEMÔNIOOOOO!!!
Eu não dei uma rasteira naquela velha porque aprendi a respeitar os mais velhos. E a velha lá com a mão na minha cabeça e me empurrando pra trás e chamando o demônio no meu ouvido aos berros. Achei até que ele vinha. Era só o que faltava chegar naquele aniversário. E minha mulher do meu lado caindo na gargalhada.
Fiz um sinal pra menina, a garota vestida de chapeuzinho vermelho, tomar o microfone da mão daquela doida. Quando ela encostou, a velha deu a doida de vez e começou a gritar:
SÁI PRA LÁ, POMBA GIRA DOS INFERNOS. CÊ TÁ AMARRADA, DIABA! VAI PRAS PROFUNDEZAS DE ONDE VOCÊ VEIO. TÁ AMARRADO! TÁ AMARRADO!
Meu aniversário que já não estava bom ficou ainda pior e mais constrangedor. Quando olhei pra o lado, Lindinha estava no chão passando mal com o ataque de riso que teve. Três dos meus cinco gatos fugiram. Minha cachorra cega e doida agarrou no vestido da pomba gira, quer dizer, chapeuzinho vermelho e quase deixa a garota nua o que fez a velha gritar ainda mais alto:
- TÁ AMARRADO, ESPÍRITO DE PROSTITUIÇÃO!!!
O maluco do motorista do carro de som de entrar no carro e se mandar dali, ainda ficou soltando fogos. Agora eram coloridos e apitavam.
Corri pra minha casa, me tranquei e só saí de lá três dias depois. Ainda estava envergonhado.
Fiquei sem falar com minha mulher por quatro dias. Não somente pela mico que ela me fez pagar, mas principalmente porque ela mentiu. Não fez jantar nenhum. Era só uma armadilha pra o patinho cair.
Carro de mensagens, por favor, nunca mais.
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