Numa segunda-feira monótona qualquer, num trecho do Dique do Tororó, vejo um cara dando sinal pra que eu parasse o taxi. Paro, feliz por estar prestes a fazer a primeira corrida daquela tarde quente e abafada.
- Boa tarde! - Digo cordialmente, abrindo a porta e puxando rapidamente o banco dianteiro um pouco pra trás pra que o cliente se sentasse e se sentisse mais bem acomodado.
- Siga aquele ônibus! Siga aquele ônibus! - O camarada já foi falando, sem nem responder meu boa tarde, enquanto colocava o cinto de segurança e já suava em bicas.
- Como??? - Perguntei ainda meio sem entender o que o cara quis dizer.
- Siga aquele ônibus, meu amigo! - O cara me respondeu num tom de: "Qualpartedosigaqueleonibusquevocênãoentendeupraeurepetir?"
Pensei comigo: Eu sempre quis ouvir essa frase. Quer dizer, não exatamente esta frase. Eu sempre vi nos filmes e novelas o cara entrar no táxi e dizer: Siga aquele carro! ou: Siga aquele automóvel! E o taxista sair a mil por hora atrás de uma Ferrari, um Mercedes, no mínimo uma limusine, mas nunca ouvi ninguém entrar num taxi pra dizer: SIGA AQUELE ÔNIBUS! Então descobri que a realidade é bem diferente. Eu não estava em um filme hollywoodiano e nem em uma novela global. Eu estava em Salvador, Bahia, Brasil. E aqui as restrições orçamentárias são grandes, sendo que, no máximo, se segue um ônibus mesmo. Sem contar que meu carro é 1.0, a gás e eu ainda liguei o ar condicionado pra ver se o cara suava menos. Não tem a mínima condição de seguir um fuscão 1600, quanto mais uma Ferrari, com um carro assim. Liguei o taxímetro, coloquei meus óculos escuros (não tem como você seguir alguém sem colocar óculos escuros. Dá um ar mais policial), passei o dorso da mão na boca, fiz uma cara de mal, engatei a primeira marcha, pisei com tudo no acelerador e...
- PÁÁÁÁÁRAAAAAA!!! Que eu esqueci o dinheiro. Porra! - O cara gritou e eu quase tenho um troço.
Parei. Na verdade nem saí do lugar. Só foi uma cantadinha de pneu. Ele desceu rápido, entrou em um bar, demorou um pouco, eu desliguei o carro pra esperar. Ele voltou uns cinco minutos depois, com uma cara de desespero típica das pessoas que estão atrasadas pra prova de vestibular quando os portões já estão fechando e elas estão no meio da rua correndo.
Quando vi que ele estava vindo tentei dar partida no carro que, sabe-se lá por que cargas d'água, não quis pegar de jeito nenhum. Olhei pra o pobre coitado, que a essa altura estava ainda mais suado do que antes, e disse quase que me desculpando:
- O carro não quer pegar, senhor.
O camarada me olhou com um jeito de quem queria me dar um soco e correu pra tentar pegar outro taxi. Ele só esqueceu a lei da oferta e procura. E no caso de taxi a lei é a seguinte: Quando você procura não existe oferta. Depois de mais de cinco minutos esperando um outro taxi que não aparecia, ele voltou pra meu carro.
- O carro já ficou bom, companheiro? - Ele me perguntou meio chateado. Meio não. INTEIRAMENTE, TOTALMENTE, COMPLETAMENTE, chateado.
- Ainda não, senhor. Só se a gente tentar empurrar. - Respondi tentando mostrar uma solução. Mesmo sabendo que o "a gente" empurrar significava: ELE empurrar.
- Porra! Não é possível uma coisa dessas. - O cara bradou retado da vida.
E lá foi ele empurrando o carro e eu tentando, tentando e nada do carro pegar. Até que quando ele, o carro, bem quis... pegou.
O rapaz entrou no carro duas vezes e meia mais retado, cinco vezes mais suado e dez vezes mais apressado.
- Corre, meu amigo, corre, que o ônibus já deve estar quase no fim de linha.
- Qual é o destino do ônibus que o senhor quer que eu siga? - Perguntei pra ver se podia pegar algum caminho mais rápido e alcançar o tal ônibus foragido.
Ele parou um pouco, levantou os olhos olhando pra o teto do carro como se procurasse a resposta por ali, voando como uma mosca. Depois olhou de novo pra mim e respondeu um tanto triste:
- Rapaz, eu não sei pra onde ele ia não.
- Bom, senhor, vamos fazer o seguinte: - Dei logo um jeito de arranjar uma solução por que eu não queria perder a primeira corrida daquela tarde antes mesmo dela começar.
- Vamos seguir pelo Dique até o final e ver se encontramos o ônibus aí pela frente. Salvador tem sempre muitos congestionamentos mesmo, então, quem sabe...
Ele fez uma cara de aprovação e eu segui a mil antes que ele desistisse. E se desistisse queria estar longe dali pra que ele não pudesse voltar andando. Daí ele teria que voltar comigo e eu ganharia aquela graninha da tarde, né?!
Corri o máximo que pude. Mas, se tratando de Salvador, especificamente, do Dique do Tororó, o máximo que se pode correr é quarenta a cinquenta quilometros por hora. Para, congestionamento, corre por cem metros. Para, sinal vermelho, anda mais cinquenta metros, freia, cachorro atravessando a pista. Para, sinal de novo, segue, para, segue...
- Desse jeito não vamos conseguir achar esse ônibus nunca - Ele disse já resignando-se.
- Calma que quando pegarmos a Bonocô fica mais fácil. - Respondi.
Bom, a curiosidade está no meu DNA e não demorei muito pra perguntar:
- O que foi que aconteceu, que o senhor está assim tão aflito atrás desse tal ônibus?
- Estou seguindo uma figura aí que quer me botar um chapéu de touro, entendeu, pai?
Não falei mais nada. Na verdade nem sabia o que falar ao cara naquele momento em que ele estava, quem sabe, a minutos de descobrir se era mesmo corno.
Nós não tínhamos a menor idéia de pra qual lado o ônibus tinha seguido. Só que a sorte estava a favor do perseguidor e contra a pobre alma perseguida.
E não é que assim que chegamos na Bonocô o camarada avistou o "alvo". Lá estava uma loira maravilhosa aos beijos com um cara, digamos... meio desprovido de beleza. Pensei comigo - É, o cara foi trocado por outro e o outro ainda por cima é feio. Porra!
- Pode parar bem pertinho que eu vou pegar os dois no flagra. Cobre logo aqui sua corrida. Pode ficar com o troco. - Aí eu sorri, é claro.
Parei o carro bem próximo do casal que agora conversava distraidamente. O cara desceu e eu ali querendo ir embora e querendo ficar pra ver.
O anjinho dizia na minha orelha direita:
- Vai embora, meu filho, que isso é briga de casal e você não tem nada com isso.
E o capetinha do outro lado...
- Fica pra ver o miserê, mané. Vai perder, é?
Obedeci o capeta. Fiquei.
Dei uma distância de segurança, por que vai que tem tiroteio e as porras, mas distância suficiente pra ouvir tudo.
O cara chegou de fininho, sorrateiro como animal selvagem que prepara o bote. Eu que não tinha nada a ver com aquilo, estava com o coração quase saindo pela boca. O "predador" foi se aproximando, aproximando, e... Deu o bote falando aos berros:
- MAS, TOINHO, SUA LEBÁRA, VOCÊ ME TRAINDO COM ESSA PUTA DESSA LOIRA AZEDA, "SINHA NINSGRAÇA"? SE FOSSE UM BOFE A DOR SERIA MENOR!!!
Ele foi falando e descendo a mão pela cara do tal Toinho que, ainda atordoado com a chegada repentina do, acho eu, namorado, não teve reação e tomou o tapão pela cara, seguido de outro pelas costas e mais outro pela caixa dos peitos e mais outro e mais outro. A loira quando viu o cacete armado, se picou batendo o calcanhar na bunda de tão rápido. Eu tratei de me mandar dali também sem entender exatamente o que aconteceu, ou melhor, entendi tudo. Confesso que ainda procurei a loira pra dar uma carona, apenas uma carona sem segundas intenções, acreditem. Gente, acredite na minha mais pura vontade de ajudar uma alma desesperada que, coincidentemente, apenas coincidentemente, era loira e linda. Mas a doida, na velocidade que saiu correndo, já devia estar lá na paralela e o trânsito de Salvador não me permite chegar na paralela de forma tão rápida.
E assim foi a tarde daquela segunda-feira quase monótona.
Ah! A loira foi encontrada dois dias depois quase lá em Aracajú. Toda borrada.
Quanto ao casal eu não tive nenhuma notícia. Esqueci de assistir o "No Alvo" do dia seguinte.